terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lombroso, mensaleiros e mulher de Cachoeira


Primeiro foi o mensalão, que acabou mandando para a cadeia gente com fenótipo diferenciado. Agora veio a mulher de Carlos Cachoeira, Andressa Mendonça, que acaba de ser indiciada pela polícia federal, porque teria ameaçado o juiz Alderico Rocha, em Goiás. Essas disrupções nos sugerem algumas reflexões criminológicas. A primeira é a de que Lombroso estava equivocado.
Cabe recordar que a antropologia criminal, no século XVIII, na tentativa de explicar a origem do crime, acabou assumindo a concepção racista de que o rosto feio estaria vinculado ao mal, ao crime, ao anormal. Alguns séculos antes, na França, o édito Valeriano já dizia: quando dois são os réus, havendo dúvida sobre a autoria, condena-se o mais feio.
Nietzsche afirmava que para a antropologia criminal “o tipo do criminoso é feio: monstrum in fronte, monstrum in ánimo.” Em outras palavras, rosto feio, alma monstruosa (criminosa). Assim o delinquente foi enfocado pela famosa criminologia positivista, liderada por um médico muito polêmico, chamado Cesare Lombroso (1836-1909), para quem o criminoso, sendo um selvagem, deveria sofrer medida de segurança, em nome da defesa social. Ele requer correção não apenas por sua transgressão, senão, sobretudo, pela sua degeneração e perversão (como sublinhava Foucault).
O interesse da filosofia, literatura e ciência pela análise da fisionomia, na verdade, não é recente. Seguindo, em linhas gerais, o trabalho de Jairo Gutiérrez Avendaño (que está disponível na internet), sabemos que Aristóteles escreveu um livro chamado Fisiognômica (Fisiognomia), onde sustenta que, apoiando-se nos dados corpóreos de um objeto, se torna possível julgá-lo. O caráter como fenômeno ético seria extração da leitura do corpo (ou do rosto). Kant, no século XVIII, afirmava que a fisiognomia é a maneira de se conhecer o interior do ser humano por meio do seu exterior (ou seja: o rosto seria a visibilidade do invisível, como bem sintetizou Levinas).
É impressionante como a ciência, a criminologia, a filosofia e a literatura passaram a admitir juízos éticos sobre uma pessoa a partir da beleza ou da feiura do seu rosto. É nesse contexto que a pouca (ou nenhuma) beleza do filósofo Sócrates teria servido de base para Zapiro reputá-lo “néscio, brutal, voluntarioso e inclinado à embriaguez”. Nietzsche e Montaigne, muitos séculos depois, tampouco faziam referências elogiosas à estética fisionômica de Sócrates. O filósofo, no entanto, em sua defesa afirmava que a beleza interior está nas palavras (não no rosto): “Fale para que eu possa vê-lo”. Nós não valeríamos pelo que ostentamos exteriormente, sim, pelo que falamos, pelo que sabemos.
Lombroso, é bem verdade, para além do aspecto fisionômico, ainda agregou a carga hereditária (a herança genética), para criar a teoria determinista do “delinquente nato” (alguns já nasceriam delinquente). Como se vê, na segunda metade do século XIX, o pensamento mecanicista (naturalista) tomou conta das ciências, incluindo a criminologia.
O rosto, como se pode concluir, tem sentido ético (Levinas), visto que ele serve para julgar o outro, pela sua diferença (porque não existem dois rostos iguais). O outro não é um idêntico (Idem-ente), sim, um difer-ente. Assim ele é julgado. A exterioridade (do rosto) seria a medida do julgamento ético do outro.
Foi assim que o positivismo criminológico passou a julgar o criminoso como um ser anormal, que foi chamado por Foucault de monstro moral e político. O monstro está atrelado ao feio, ao anormal, ao excesso, à desordem, em síntese, à criminalidade. Aliás, é a partir dessa concepção que se organizam as instâncias do poder assim como os campos do saber, desde o final do século XVIII (diz Foucault).
As novas caras dos condenados e indiciados disruptivos (os que quebram a ordem natural das coisas, sobretudo num país hierarquizado como o nosso, que é republicano no discurso e monárquico nas relações sociais) contradizem tudo isso. Razão assiste à teoria sociológica norte-americana do labelling approach, que afirma que o crime está regido pelo princípio da ubiquidade, ou seja, todas as classes sociais delinquem, todos os rostos podem ser delinquentes. O crime não é privilégio das classes pobres nem tampouco dos feios. O homem não é coisa (Ortega y Gasset), sim, uma pessoa, uma história, que nunca é idêntica (uma à outra). O que marca o ser humano não é o “idem-entes”, sim, o “difer-entes”, sendo certo que (como advertia Nietzsche) “todo homem que luta contra monstros, ao fazer isso deve procurar não se converter em outro monstro”.
Sobre o autor
*LUIZ FLÁVIO GOMES, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001) – Estou no professorlfg.com.br.
DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados

Um comentário:

  1. Todos os parágrafos deste artigo é uma paráfrase do artigo: "Fisionomia da transgressão e julgamento da face, aludindo a chave no processo, de Kafka," Revista Ratio Juris, Nº 07 de dezembro de 2007, publicado pelo colombiano Jairo Gutiérrez Avendaño. Eu acho que faz uma cópia textual inadequada passados ​​como argumentos em si são prestados. Pedir que são especificados direitos autorais deste conteúdo.

    "Todos los párrafos de este artículo es una paráfrasis del artículo: "Fisionomía de la transgresión y el juicio del rostro, en clave alusiva a el proceso, de Kafka", Revista Ratio Juris, No. 7 diciembre de 2007, publicado por el colombiano Jairo Gutiérrez Avendaño. Considero que tiene una copia textual inadecuada que hace pasar como propios argumentos que son prestados. Solicito que sean precisados los derechos de autor de este contenido"

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