Cedendo a pressões dos delegados da Polícia Civil, o governador Geraldo Alckmin enviou para a Assembleia Legislativa uma Proposta de Emenda à Constituição do Estado de São Paulo (PEC n.º 19/2011), que inclui os membros da corporação nas chamadas carreiras jurídicas de Estado. Pela PEC, que acrescenta quatro parágrafos à Constituição, a carreira de delegado é definida como "atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica".
Essa é uma antiga reivindicação da categoria. O que interessa aos delegados é aumentar sua autonomia, conquistando as mesmas prerrogativas dos promotores e juízes. Pela PEC, que foi já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia, os delegados passam a ter "independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária". Com isso, se o plenário aprová-la, os delegados só poderão ser removidos do cargo a pedido ou por motivo de interesse público justificado pelo Colegiado Superior da Polícia Civil.
Ao justificar a ampliação das prerrogativas dos delegados, Alckmin alegou que a medida visa a "elevar o nível de qualificação dos delegados" e a promover "o aperfeiçoamento institucional da Polícia Civil". No mesmo tom, os integrantes da CCJ da Assembleia afirmaram que a aprovação da PEC "terá o salutar efeito de externar o empenho da Administração em continuar imprimindo maior e mais atualizada gestão à Polícia". E, para os delegados, o aumento das prerrogativas lhes permitiria trabalhar "livre de ingerências indevidas".
O que levou o governo a apresentar essa PEC não foi a preocupação com a reforma da máquina estadual, mas um acordo firmado com os líderes sindicais da Polícia Civil para evitar novas greves. Em 2011, os delegados só ameaçaram suspender suas atividades. Mas, em 2008, eles haviam cruzado os braços por 59 dias consecutivos e só voltaram ao trabalho depois que o ministro Gilmar Mendes, do STF, considerou o protesto inconstitucional. "É possível um poder de onde se emana soberania fazer greve? No caso da polícia, tem outro componente, inclusive para a ordem pública. Um órgão incumbido de manter a ordem pública passa, na verdade, a ser um elemento de eventual perturbação", disse ele.
Como era de esperar, a possibilidade de aprovação da PEC n.º 19/2011 estimulou os delegados da Polícia Federal (PF) a defender reivindicações semelhantes às dos delegados paulistas. Além da inamovibilidade, os delegados federais pedem vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos - o que, na prática, os coloca no mesmo patamar dos procuradores da República e da magistratura. Os delegados federais alegam que, sem essas prerrogativas, continuarão sofrendo interferências políticas no combate ao crime organizado. "A categoria precisa de garantias porque é comum a influência de outros poderes e mesmo da máquina governamental nos procedimentos conduzidos por delegados federais. É muito comum que as operações policiais passem a envolver altas autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário ", diz o presidente do Sindicato dos Delegados da PF em São Paulo, Amaury Portugal.
Que há pressões e tentativas de ingerência nas investigações policiais, disso ninguém duvida. Mas, para contê-las, bastam determinação e seriedade, por parte dos delegados. O que não se pode é dar à corporação uma independência e prerrogativas que a converteriam em Poder político. No Estado de Direito, a Polícia Civil é comandada pelo governo, cujos dirigentes são eleitos democraticamente e precisam de flexibilidade e discricionariedade para implementar políticas de segurança pública. Já as carreiras com as quais os delegados querem equiparação envolvem funções de Estado inerentes ao princípio da tripartição dos Poderes - e é por isso que seus integrantes precisam de autonomia funcional.
Preocupado em evitar greves dos delegados paulistas, Alckmin cometeu um grave erro político. Se, com as regras vigentes, muitos policiais já exorbitam, o que poderá acontecer se tiverem as mesmas prerrogativas de promotores e juízes?
Fonte: Editorial O Estado de S.Paulo
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