Sempre que uma pessoa é presa e autuada em flagrante pela prática de um crime e ediatamente posta em liberdade, surgem os mais variados comentários negativos sobre o assunto, simplesmente porque muitas pessoas por desconhecerem a lei, consideram um absurdo um criminoso ser liberado sem "pagar" pelo crime que cometera.
Críticas inaceitáveis aos operadores do direito, especialmente aos delegados de polícia, nos motivaram a procurar explicar dentro de nossos modestos conhecimentos e em uma linguagem mais coloquial, as razões que levam ou mesmo obrigam a autoridade policial a conceder arbitramento de fiança.
Ser liberado logo após à prática de um crime é, em muitas vezes, situação que decorre de uma garantia prevista no ordenamento jurídico brasileiro que se denomina liberdade provisória mediante arbitramento de fiança, vez que no processo penal, a liberdade é a regra e a prisão cautelar, como medida de exceção, só se aplica em casos especiais.
E o que seria então a fiança?
Para melhor entendermos esse instituto processual penal, precisamos defini-la de uma maneira mais compreensiva. Entendemos que fiança é o pagamento geralmente em dinheiro pelo autor do crime, ou outra pessoa, para que aquele, solto, possa responder ao processo em liberdade e melhor preparar sua defesa.
Se caracteriza como consequência do estado de inocência insculpido no artigo 5º, LVII da Constituição Federal que ao proclamar os direitos e garantias fundamentais assegurou que todo aquele indiciado ou denunciado em processo, goza da presunção de inocência enquanto não se exaurirem todos os recursos inerentes à sua ampla defesa, condição essa que distingue o culpado de fato, sub judice, do culpado de direito, isto é; o réu definitivamente condenado.
A fiança, muito embora não seja bem vista pelo cidadão comum, pois que, assegurada em boa parte das infrações penais para por o indiciado em liberdade, sempre que este devidamente habilitado e mediante o cumprimento de determinadas imposições legais possa usufruí-la, trata-se de um direito subjetivo do réu.
O instituto em questão encontra-se consagrado no artigo 5º, LXVI, da CF, que diz: "Ninguém será levado a prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança".
O Código de Processo Penal, já com a novel legislação- Lei 12.403/11, no capítulo que trata da Liberdade Provisória com ou sem Fiança, estabelece em que situações o réu (preso), poderá livrar-se, solto, logo após ser autuado, tratando da questão como um direito, como vimos, posto à sua disposição, desde que cumpridas as exigências legais. Ao contrário do que muitos imaginam não se trata de má concessão, um favor, ou mesmo uma gentileza do delegado de polícia a conceder-lhe tal benefício. À autoridade policial cabe, antes de concedê-lo, analisar a situação processual do indiciado, verificar a natureza do crime, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa, as circunstancias indicativas de sua periculosidade e a importância provável das custas do processo, para poder fixar o valor estabelecendo-o entre 1 e 100 salários mínimos e, nesse parâmetro, reduzir até 2/3 ou aumentar 1000 vezes. Quanto à dispensabilidade da fiança, entendemos não ser possível por parte do delegado, vez que o artigo 350 do CPP só autoriza ao juiz tal possibilidade.
De tal sorte, o artigo 322 do diploma supracitado, enquanto atribui à autoridade policial competência para conceder fiança nos crimes cuja pena privativa de liberdade ( reclusão, detenção ou prisão simples) máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, ao mesmo tempo confere ao preso o direito de ser posto em liberdade quando a pena não ultrapassar o limite previsto e mais: na compreensão do artigo 335, a lei assegura ao indiciado que o delegado lhe conceda o benefício de imediato, mesmo sem a presença de advogado, ao dispor que: quando haja recusa ou retardamento da autoridade para arbitrar a fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá pagá-la mediante simples petição ao juiz, o que nos impele a acreditar que, logo depois da autuação, o delegado tem, na verdade, de maneira indisponível e indeclinável, o poder/dever de garantir ao preso o direito à fiança, ou minimamente orientá-lo sobre seu direito, o qual, quando cabível, desautoriza o recolhimento do autuado ao xadrez.
Em não procedendo desta forma, de acordo com o que estabelece a lei 4898/65, o delegado poderá responder por abuso de autoridade, tudo conforme o artigo 4º, "e", que assim preconiza: Constitui também abuso de autoridade: levar à prisão e nela deter, quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; havendo ainda a possibilidade de responder civil e administrativamente por algum fato que venha a ocorrer com o preso, enquanto estiver encarcerado.
Neste diapasão, entendemos que o melhor que a autoridade policial tem a fazer logo que autue alguém em flagrante, é conferir-lhe a garantia do direito à liberdade provisória mediante o pagamento de fiança, nos ditames do CPP, por se tratar, inquestionavelmente, de um direito posto ao dispor do autuado.
Mas, se o procedimento coercitivo for lavrado num final de semana ou feriado, como deverá proceder a autoridade, haja vista a dificuldade para obtenção dos documentos necessários à comprovação ao benefício e ao recolhimento da fiança por estarem os estabelecimentos bancários fechados. Simples: a autoridade policial deve ser conhecedora que o direito à liberdade se sobrepõe à meras questões burocráticas que podem até oferecer empecilhos à concessão do benefício, porém, não são plenamente justificáveis para sua negação. Então, se mostrando diligente, naturalmente a autoridade policial poderá obter nos meios que lhe estão disponíveis através dos sistemas de consultas, via internet, as informações necessárias sobre a situação processual do indiciado. Já sobre o recolhimento da fiança, quando este não puder ser feito de imediato, será entregue ao Escrivão que o fará logo que possível à instituição bancária, bastando que tudo conste no Termo de Fiança, conforme dispõe a lei.
Se for através de advogado e, diante das impossibilidades em apresentar a documentação, este deverá assumir o compromisso de apresentá-la no menor espaço de tempo possível, o que não impede a autoridade de realizar as consultas necessárias para resguardar sua decisão de arbitrar ou não a fiança, entendida como medida cautelar.
Caso o benefício seja concedido baseado nas informações colhidas de forma insuficiente e ao reconhecer que a mesma não foi apropriada, o juiz poderá exigir reforço da fiança, impor medidas cautelares ou decretar a prisão preventiva se for o caso, e mandar recolher o afiançado à prisão.
Esse é o nosso entendimento.
Autor: José Cleófilo Rodrigues Melo Aragão
Delegado de Polícia do Estado do Ceará. Pós Graduado em Direito Penal pela UNIFor
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