segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Concessão de Fiança aos Autores dos Crimes contra as Relações de Consumo pelo Delegado de Polícia

Mário Leite de Barros Filho
Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, professor universitário, autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária. Atualmente, exerce a atividade de assessor jurídico do gabinete do deputado federal João Campos, em Brasília.
Dados para contato: email: mario.leite2@terra.com.br
Sumário: I – Introdução; II – Concessão de Fiança aos Autores dos Crimes contra as Relações de Consumo pelo Delegado de Polícia; III – Projeto de Lei nº 1.903/2011; IV – Conclusão; e V – Bibliografia.
Resumo: A presente matéria estuda a questão da concessão de fiança aos autores dos crimes praticados contra as relações de consumo, previstos na Lei nº 8.137/1990, pelos delegados de polícia.
Palavras - chave: concessão de fiança; crimes apenados com detenção; crimes praticados contra as relações de consumo; Lei nº 8.137/1990; Lei nº 12.403/2011; delegado de polícia; autoridade policial, Polícia Civil; Polícia Judiciária; investigação criminal; e sistema de justiça criminal.

I - Introdução
                Como é do conhecimento de todos, a Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, alterou o Código de Processo Penal, no que se refere à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares.
                Antes da entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, o art. 322, do Código de Processo Penal, conferia ao delegado de polícia a competência para conceder fiança, somente, nos crimes apenados com detenção ou prisão simples, independente da pena máxima cominada ao delito.
Redação anterior:
Art. 322 - A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples. (grifei)
Parágrafo único - Nos demais casos do art. 323,  a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
               
                Com a entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, o art. 322, do CPP, foi alterado, ampliando a competência da autoridade policial, para arbitrar fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Redação atual:
Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. (grifei)
Parágrafo único - Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

                Isto significa que, agora, a autoridade policial pode conceder fiança aos autores de crimes apenados com detenção ou reclusão, desde que a pena não ultrapasse o limite estabelecido de 4 (quatro) anos.

                Indiscutivelmente, tal medida valorizou a atuação do delegado de polícia no sistema de justiça criminal.

                Acontece que a mencionada alteração, por um cochilo legislativo, ensejou situação de extrema injustiça, conforme se observa da brilhante matéria jurídica, de autoria de Abrahão José Kfouri Filho, intitulada: “A Lei nº 12.403, a Autoridade Policial e a Fiança”.

                Efetivamente, antes da vigência da Lei nº 12.403/2011, o delegado de polícia tinha competência para conceder e arbitrar fiança aos autores dos crimes tipificados no art. 7º, da Lei nº 8.137/90, norma que define crimes contra as relações de consumo, punidos com a pena máxima de 5 (cinco) anos de detenção.
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
        I - favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores;
        II - vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial;
        III - misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os demais mais alto custo;
        IV - fraudar preços por meio de:
        a) alteração, sem modificação essencial ou de qualidade, de elementos tais como denominação, sinal externo, marca, embalagem, especificação técnica, descrição, volume, peso, pintura ou acabamento de bem ou serviço;
        b) divisão em partes de bem ou serviço, habitualmente oferecido à venda em conjunto;
        c) junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado;
        d) aviso de inclusão de insumo não empregado na produção do bem ou na prestação dos serviços;
        V - elevar o valor cobrado nas vendas a prazo de bens ou serviços, mediante a exigência de comissão ou de taxa de juros ilegais;
        VI - sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação;
        VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;
        VIII - destruir, inutilizar ou danificar matéria-prima ou mercadoria, com o fim de provocar alta de preço, em proveito próprio ou de terceiros;
        IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;
        Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. (grifei)
        Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte. (grifei)
                Como a atual redação do art. 322, do CPP, não consignou expressamente a possibilidade de a autoridade policial arbitrar fiança nos crimes de detenção, independente do máximo da pena aplicada, o delegado de Polícia, com a entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, está impedido de conceder fiança aos autores dos crimes descritos no art. 7º, da Lei nº 8.137/90.



II - Concessão de Fiança aos Autores dos Crimes contra as Relações de Consumo pelo Delegado de Polícia
                Ressalte-se que as pessoas autuadas em flagrante pela prática dos crimes previstos no art. 7º, da Lei nº 8.137/1990, quase sempre, são destituídas de periculosidade. Normalmente, a responsabilidade recai sobre os gerentes e funcionários dos supermercados, mercearias, padarias e similares, que cometem tal infração na modalidade culposa.
                Com muita propriedade Abrahão José Kfouri Filho, na citada matéria jurídica, alerta que:            
         “Em face do novo regramento, a partir da data apontada, esses presos passarão, perversamente, a ser recolhidos à cadeia, até que se consiga a concessão de fiança pelo juiz, o que poderá demandar dia ou dias até que o preso seja liberado. (grifei)
         Atente-se que, na absoluta maioria dos casos, o evento ensejador da prisão decorre de culpa (negligência), cuja modalidade é expressamente prevista no parágrafo único do art. 7º da Lei nº 8.137/90, com significativo abrandamento da pena. As denúncias, na espécie, oferecidas pelo Parquet, ou já descrevem conduta culposa ou mesmo citam expressamente o parágrafo único.
         O legislador, com certeza, não atinou para esse detalhe e criou um verdadeiro contrassenso, pois, ao alargar a competência da autoridade policial para poder afiançar crimes apenados até com reclusão, aliviando a população carcerária, deixou de fora crimes apenados com detenção, como esses, contra as relações de consumo, até então afiançados pela autoridade policial.” (grifei)
                Efetivamente, a intenção da Lei nº 12.403/2011 foi de impedir a prisão de pessoas que não apresentam periculosidade. Desta forma, com fundamento no princípio da razoabilidade, não tem sentido manter encarcerados autores de crimes cometidos contra as relações de consumo.

III – Projeto de Lei nº 1.903/2011
                Diante do quadro descrito, o deputado federal João Campos apresentou projeto de lei nº 1.903/2011, destinado a adequação do texto do art. 322, do CPP, para constar expressamente a possibilidade de o delegado de polícia conceder fiança, também, nos casos de infração punida com detenção, independente do máximo da pena cominada ao crime.
Texto da proposta:
O Congresso Nacional decreta:


            Art. 1º Esta Lei acrescenta incisos e altera a redação do caput do art. 322, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, possibilitando à autoridade policial conceder fiança aos autores de crimes punidos com detenção, independente do máximo da pena cominada à infração.
            Art. 2º O art. 322, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
            Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração apenada com:
I – detenção;
II - reclusão, desde que a pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. .......................................................................”
            Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

IV- Conclusão
                Conclui-se, portando, que a proposta em tela corrige imperfeição legislativa e sua aprovação contribuirá para o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal.

Mário Leite de Barros Filho
V – Bibliografia
BARROS FILHO, Mário Leite de. Direito Administrativo Disciplinar da Polícia – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 2ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2007.
BARROS FILHO, Mário Leite de e BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Concurso Delegado de Polícia de São Paulo – Direito Administrativo Disciplinar – Via Rápida – Lei Orgânica da Polícia Paulista. 1ª ed., São Paulo/Bauru: Edipro, 2006.
BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1997.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira. São Paulo: 2010 – Edição dos autores.

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