segunda-feira, 15 de julho de 2013

Comentários à Resolução 75/09 do CNJ: o novo conceito de atividade jurídica

 

 
LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patrícia Donati.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Resolução 75 /09 do CNJ: o novo conceito de atividade jurídica . Disponível em http://www.lfg.com.br 25 maio. 2009.
Já analisamos anteriormente a nova estrutura adotada em relação às provas da magistratura (Clique aqui). Enfocaremos, agora, o novo conceito de atividade jurídica trazido pela Resolução 75 /09.
Para tanto, a leitura dos seus arts. 58 e 59 se mostra indispensável.
Art. 58 . Requerer-se-á a inscrição definitiva ao presidente da Comissão de Concurso, mediante preenchimento de formulário próprio, entregue na secretaria do concurso.
§ 1º O pedido de inscrição, assinado pelo candidato, será instruído com:
i) formulário fornecido pela Comissão de Concurso, em que o candidato especificará as atividades jurídicas desempenhadas, com exata indicação dos períodos e locais de sua prestação bem como as principais autoridades com quem haja atuado em cada um dos períodos de prática profissional, discriminados em ordem cronológica (grifo nosso) .
Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea i:
I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito; II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906 , 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
III - o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;
IV - o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;
V - o exercício da atividade de mediação ou de arbitrágem na composição de litígios.
§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito. § 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.
Alguns pontos de suma importância devem ser analisados neste momento. O primeiro reside no fato de o rol previsto neste artigo ser taxativo (nenhum outro ato pode ser considerado atividade jurídica), mas, não cumulativo, ou seja, basta o preenchimento de um dos seus incisos. O segundo se relaciona com a abrangência do conceito atividade jurídica e os requisitos para a sua comprovação. Por fim, a exclusão da pós-graduação, o que, a nosso ver, foi um grande equívoco.
A expressamente revogada Resolução nº. 11 /06, em seu art. 2º , conceituava atividade jurídica como "aquela exercida com exclusividade com exclusividade por bacharel em Direito, bem como o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico, vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade exercida anterior à colação de grau".
Esse era o único dispositivo que tratava do conceito "atividade jurídica". Já a Resolução 75 /09, ao cuidar do tema, o fez de forma mais detalhada (mas ainda confusa e cheia de lacunas), especificando em cada um dos incisos do mencionado art. 59 , o que entende inserido nessa concepção.
Vejamos.
Art. 59. I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito ;
Nesse aspecto, nada mudou em relação à Resolução anterior. Mas, o que seria "atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito"? Não contamos com esse conceito expresso em qualquer diploma do ordenamento jurídico brasileiro.
O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº. 8.906 /94) traz, em seu art. 1º , as atividades privativas da advocacia (postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas), que não se confundem com a idéia de atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito.
A abrangência da expressão já causa dúvida naqueles que tentam interpretar a Resolução. A nosso ver, uma hipótese pode ser considerada: o estágio realizado após a obtenção do grau de bacharel em Direito.
Não estamos, aqui, refutando a disposição trazida pelo § 1º do desse mesmo dispositivo (art. 59) que proíbe, de forma expressa, o cômputo de estágios ou outras atividades anteriores à obtenção do grau de bacharel (colação de grau). Estamos diante de situações completamente distintas.
Permite-se que, quando iniciado antes da colação de grau, o estágio do acadêmico de Direito seja prorrogado. Assim, o bacharel em Direito pode, sim, exercer a função de estagiário e, nessa hipótese torna-se possível a aplicação do inciso I e o reconhecimento desse período como atividade jurídica, já que não se trata de estágio anterior à obtenção do grau de bacharel.
O raciocínio é simples. Se o § 1º (art. 59) tivesse feito referência apenas a estágio, esse, qualquer que fosse a situação, não poderia ser considerado. Mas, como restringiu a vedação aos anteriores à obtenção do grau de bacharel, nada impede o reconhecimento como atividade jurídica do estágio realizado (regularmente) após esse março temporal.
Art. 59. II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº. 8.906 , 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;
Agora, sim, o exercício da advocacia. Uma novidade trazida pela Resolução 75 /09 (a Resolução 11 /06 falava, apenas, em atividade exclusiva de bacharel). Dois questionamentos podem aparecer com a leitura desse inciso.
O primeiro deles, a concepção de advocacia voluntária. Trata-se da chamada advocacia pro bono que, de acordo com o entendimento firmado pela própria OAB, se consubstancia na prestação de serviços de assistência jurídica gratuita a pessoas hipossuficientes e a entidades não governamentais sem fins lucrativos, desde que não realizado como captação de clientela. Exemplos clássicos são os Centros de Atendimento Jurídico e os Núcleos de Advocacia Voluntária.
O segundo, a incerteza trazida pela expressão "questões distintas". O que seria? Podemos afirmar, com certeza, que a atuação extrajudicial do advogado se encaixa nesse conceito (notificação extrajudicial, consultorias e pareceres jurídicos, por exemplo).
Também se deve considerar aqui, o disposto no inciso II do mencionado art. 1º do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº. 8.906 /94): atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, bem como a determinação trazida em seu § 2º, referente aos atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas que, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogado.
Resumindo: tudo o que for atividade privativa de advogado que não se relacione com a postulação a órgãos do Poder Judiciário, se enquadra na expressão "questões distintas", podendo assim, ser considerado tempo de atividade jurídica.
Art. 59. III - o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídic o;
Nenhuma novidade em relação à Resolução 11 /06 que também trazia tais possibilidades. Conforme visto anteriormente, o rol estampado pelo art. 59 não é cumulativo, de forma que, para o atendimento desse inciso, não é exigido que se trate de cargo (emprego ou função) privativo de bacharel em Direito, sendo suficiente a utilização preponderante de conhecimento jurídico.
O que muda em relação aos incisos anteriores é a verificação do período respectivo. Nos termos do § 2º desse mesmo artigo, "a comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização de preponderante conhecimento jurídico, cabendo à Comissão do Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento".
Da leitura do art. 58, § 1º, 'i' é possível notar a diferença. Para os demais casos, basta o preenchimento de formulário fornecido pela Comissão do Concurso, onde deverão ficar especificadas as atividades jurídicas desempenhadas, em ordem cronológica.
Duas novidades trazidas pela Resolução 75 /09 foram a contagem, como atividade jurídica, do exercício da função de conciliador (desde que realizada junto a tribunais judiciais, juizados especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, por no mínimo dezesseis horas semanais e durante um ano) e da atividade de mediação ou de arbitrágem na composição de litígios. Tais hipóteses estão previstas, respectivamente, nos incisos IV e V do artigo 59.
Por derradeiro, analisemos a exclusão dos cursos de pós-graduação do conceito de atividade jurídica.
A Resolução 11 /06 admitia (art. 3º) "no cômputo do período de atividade jurídica os cursos de pós-graduação na área jurídica reconhecidos pelas Escolas Nacionais de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (art. 105 , parágrafo único , I e art. 111-A , § 2º , I , da Constituição Federal , ou pelo Ministério Público, desde que integralmente concluídos com aprovação".
Com a revogação expressa trazida pela Resolução 75 /09 e a não renovação de previsão no mesmo sentido, restaram afastados do conceito de atividade jurídica a pós-graduação, com uma única ressalva: os cursos iniciados antes da sua vigência, nos termos de seu art. 90 ("Fica revogada a Resolução 11 /CNJ, de 31 de janeiro de 2006, assegurado o cômputo de atividade jurídica decorrente da conclusão com freqüência e aproveitamento, de curso de pós-graduação comprovadamente iniciado antes da entrada em vigor da presente Resolução").
A vigência da nova Resolução se deu com a sua publicação no Diário Oficial da União, o que aconteceu no último dia 21. De acordo com as normas da Lei de Introdução do Código Civil , considera-se, na contagem do prazo de vigência, a data da publicação do ato a ser considerado, de forma que, apenas serão considerados como atividade jurídica os cursos de pós-graduação iniciados até o dia 20 deste mês de maio.
A nosso ver, a não consideração da pós-graduação é resultado de um infeliz equívoco: a confusão entre o conceito de atividade jurídica e prática jurídica. Já cuidamos do tema em outras oportunidades: a Constituição Federal ao prever tal exigência (art. 93, I) fala em atividade jurídica, conceito amplo, que não se relaciona exclusivamente com o manuseio de processos, mas, com toda e qualquer atividade que imponha ao indivíduo o contato e principalmente o conhecimento da legislação brasileira.
É lógico que, se considerado o verdadeiro e, principalmente, o correto conceito de atividade jurídica, não haveria como, simplesmente, afastar a pós-graduação, mesmo as iniciadas depois da vigência da nova Resolução.
Essa postura nos causa estranheza: no final de 2008 o STF, no MS 26.682-DF posicionou-se em sentido completamente oposto, admitindo que a pós-graduação, desde que realizada na área jurídica e, em entidades reconhecidas, fosse, sim, computada nos três anos exigidos.
A nosso ver, outro não poderia ser o entendimento: a teleologia da norma contida nos artigos 93 , I e 129 , § 3º da CF é selecionar profissionais preparados para o exercício das relevantes funções atribuídas aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Um dos instrumentos hábeis a conferir a preparação exigida é, sem sombra de dúvida, a freqüência (e o aproveitamento) em cursos de pós-graduação.
O tratamento da matéria deveria se pautar pela razoabilidade. Não vemos problemas em exigir maior preparo daqueles que desejam fazer parte de carreiras de tamanha importância e responsabilidade, mas, tudo, dentro do critério da proporcionalidade. Não há o que justifique, por exemplo, que a contagem dos três anos se dê apenas depois da colação de grau. E, nada mais justo que inserir nesse lapso temporal, o período dedicado a cursos de pós-graduação, pois, por meio deles, o indivíduo agrega muito conhecimento que o habilita para o exercício profissional.
O título de pós-graduação, como veremos, continua a valer como uma preciosa pontuação ao candidato, na quinta etapa do concurso, ou seja, quando da análise dos títulos apresentados.
Autor: Autores: Luiz Flávio Gomes Patrícia Donati de Almeida

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